sábado, 29 de abril de 2023

Crônica do paraíso

       Escarafunchando seus alfarrábios, Léo Nove deparou com sua primeira Bíblia e, dentro dela, encontrou o último bilhete que lhe enviara Esther – paixão de toda sua juventude –, dizendo-se farta de esperar dele uma iniciativa, qualquer que fosse.
Após amassar o bilhete, escrito em pa­pel de pão, resolveu quedar-se num canto qualquer daquele cafofo e se pôs a ler, nas Sagradas Escrituras, o capítulo 3 de Gêne­sis. Esgotado que andava, logo deixou-se abraçar pelo Morfeu e, como sempre, aca­bou embarcando na sua máquina do tempo e dos sonhos, indo parar lá no Éden. O que se lê adiante, portanto, não é o fiel relato bíblico, pero fruto da tresloucada viagem de Antônio Leonardo Petronov de León, vulgo Léo Nove, ao Paraíso.
Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha ventilador de teto. Não tinha garagem, varanda, quarto, sala, cozinha, banheiro, nada disso. Tubos e conexões Tigre, nem pensar...!
Mas morava ali um casal que vivia fe­liz, apesar de não ter tantas coisas hoje imprescindíveis, como aquele celular­zinho minúsculo quase do tamanho de uma pulga atrás da orelha e que insiste em dizer que não é um celular. A comunicação entre eles era ao vivo, em som alto e claro, con­tavam tudo um para o outro tim-tim por tim-tim e, por isso, não precisavam fazer 21 nem trrrrriiiiinta e um... Mas vamos aos fa­tos.
O varão acordou, espreguiçou, fez aquele “uaaaaahhhh!!!”, esfregou os olhos, levantou, mijou, foi até o rio e tchibum! Nadou à vontade, brincou com a água e, só depois disso, resolveu escovar os dentes. Como não usava toalha, deixou a água escorrer pelo corpo até secar e, só então, destinou alguns minutos a observar e admirar o corpaço da varoa, que ainda dormia feito uma pedra. Aproximou-se devagar e despertou-lhe com aquele beijo no cangote, coisa que ela adorava.
– Bom dia, minha flor!
– Pra você também, gato. Fez café?
– Ainda não, coisa linda. Mas faço rapidinho, se você quiser, sei lá...
– Precisa não, amor. Deixa comigo. Me dá só tipo assim um tempinho, tá?
A varoa não espreguiçou, mas fez “huuummm...!”, ajeitou os cabelos, levan­tou-se e também foi até o rio, onde tomou banho, nadou um pouco e aproveitou para fazer xixi. Saindo, fez também a sua higi­ene bucal e preparou o café da manhã.
Depois do “café” (entre aspas, porque café mesmo não tinha; só pêra, uva, maçã, banana, mamão, melão, suco de laranja, essas coisas...), resolveram conversar um pouco e acabaram, como sempre, rolando pela relva. Quando se cansaram da brinca­deira, correram de mãos dadas pra debaixo da cachoeira. Após o banho, ele se des­pediu, dizendo:
- Assume o comando aí, amor, que eu preciso dar uma saidinha...
- Cê vai aonde?
- Comprar cigarros, tomar uma cerveja e jogar uma peladinha, sei lá...
Tava brincando, claro. Não fumava, não bebia, nem jogava futebol. Riram.
– Cê não tem jeito mesmo. Hmmm, mas eu te adoro... Hmmm (beijo)...
– Tô indo colher maçã, abacaxi e manga... Sei lá... Vou aproveitar pra ver como estão os peixes. Ontem, tinha cada um bitelão assim, ó.
– Tá bom, vai lá.
Já ia ele saindo, quando ela se lembrou de algo que estava querendo.
– Ah,  traz... tipo assim... alguns oplops também.
– De novo esse papo de oplops... Você quer dizer kiwi...
– E você sabe que eu não acerto fa­lar isso. E não gosto desse nomezinho bobo.
– Tudo bem, tudo bem, mas... Peraí! Você nem gosta disso...!
– Poxa, mô... é que eu estou, tipo assim, com desejo... – Colocou a mão no ventre, alisou e fez aquela carinha de dengo. – Traz, vai...!
– Pode deixar, amorzão! Deixa comigo. Fui!
E foi mesmo. Saltitando que nem um cabrito e cantarolando, feliz da vida por não ter sogra, cunhados, parentes, vizinhos, chefe, horário a cumprir, essas coisas. E a mulher tava grávida.
Aproveitando que a varoa ficou só, a serpente aproveitou pra fazer aquela visitinha surpresa. Enroscou-se num dos galhos da árvore proibida e chamou:
– Pssssit! Varo-a!
– Ah, não! De novo não! Que que você quer desta vez?
– Conversar um pouco, poxa!...
– Tá bom... E sobre o que você quer conversar?
– Sobre a maçã, ora...
– Quê que tem a maçã?
– Como, quê que tem? Então não é ela o tal fruto proibido?
– Tá doida! Qual foi a anta que te falou isso?
Mas uma anta que andava por ali protestou.
– Peraí, varoa, não fui eu não! – Apontou para o jerico. – Foi ele, ó.
– Ah, logo vi! Só podia ser tipo assim idéia de jerico! – Protestou a varoa.
– Mas veja bem, se não é a maçã, qual que é, então?
– É esse aí, ó. Dessa árvore onde você tá.
– Menina! Se você não me fala, eu morria sem saber...!
– Aliás, magrela, é melhor descer daí. Porque se você derruba um desses frutos, quem vai pagar o pato é a mamãe aqui. Desce logo, anda!
– Tá legal, tá legal! Tô descendo, ó! - Desceu. Só não desistiu de azucrinar – Mas... veja bem,  querida, eu ainda não en­tendi uma coisa: o que é mesmo que acon­tece a você e seu maridão, se comerem isso?
– Acontece isso, ó, tipo assim: gente morre. Aí, Já era...!
– Du-vi-de-ó-dó! Aposto que ele só disse isso pra meter medo em vocês!
– Ah, fala sério!
– Pois veja bem! Ele sabe que, se vocês comerem, vão ficar que nem ele...
– Tipo assim, como?
– Ora... Assim, veja bem, conhecedo­res do bem e do mal...
– Tá brincando!...
– Tô nada! É sério!
Ao contrário do que a cobra esperava, a varoa desceu o morro, chutou o balde, o pau da barraca, soltou todos os cachorros, botou pra quebrar.
– Escute aqui, sabidona! Eu não admito que você venha aqui na minha casa e chame o meeeeu Criador de mentiroso não, tá? Faz favor! Se vai continuar com isso, é melhor vazar, antes que eu perca as estribeiras. Olha que se eu te pegar, não vai sobrar nem um talisquinho assim de você pra contar história. Deu pra entender ou você quer que eu desenhe?
– Entender, eu entendi. Mas, veja bem, acho que você está é exagerando. Ele também é o criador de tudo quanto é bicho que anda solto por aí, e nenhum deles é desse jeito, tiete que nem você...
– Só que tem uma coisa, ô criatura. Comigo é tipo assim beeem diferente!...
– Humpf...! Não sei por quê!
Aí ela resolveu zoar a serpente e pegou pesado.
– Então, tá bem, dona Serpentilda, você pediu! Não faz muito tempo, eu era só uma costelinha e me sentia insignificante. Aí, o Criador fez o varão dormir tipo assim que nem uma pedra, me pegou, e... tchan-tchan-tchan-tchan! Olha o que ele fez!
Pára! Congela! Merece uma pausa. A pose que ela fez ao dizer isso foi simples­mente antológica. Coisa de cinema. Num rápido movimento, jogou para trás as lon­gas e lindas madeixas; levantou bem os braços e, tocando de leve com as pontas dos dedos, veio descendo desde o alto da cabeça e percorreu as laterais do rosto, o pescoço, os seios, o tronco, até descansar as mãos sobre os quadris, e para fechar com chave de ouro, deu aquela voltinha, jogou a perna direita para a frente e olhou bem para a mo­créia, de cima, assim, ó, com um olhar bem gelado. Imagine a cena...!
– Aaaaaiii, que nojenta! Como é convencida! – disse a criatura, revoltadíssima.
– Sou mesmo, e pronto! E acho bom você não se esquecer disso, tá? – Falou as­sim, porque a cobra já estava mesmo caindo fora, dando uma desculpa muito da esfarra­pada:
– Bem, fofa, o papo tá bom, mas veja bem, eu preciso ver minhas crianças.
A varoa não perdeu tempo:
– Ora, quer saber? Já vai tarde!
O ofídio saiu dali triscando de raiva, reclamando sozinha, falando cobras e la­gartos.
– Essa perua me paga! Ah, se paga...! Isso não vai ficar assim não...
Ora, havia muitos macacos (cada um no seu galho, claro) e outros bichos em volta, assistindo à cena. A macacada, inclu­sive, ria mais do que as hienas. Os papa­gaios é que riram pouco, porque estavam mais interessados em matraquear e comen­tar o fato, maquinando já como iam trans­formar o episódio em mais uma piada.
E pelo menos, temporariamente, a paz voltou a reinar no acampamento...
– Querida, cheguei! – gritou lá da entrada o varão.
– Oi, amor!... Já tava morrendo de saudades...
Abraçaram-se, beijaram-se, e ele per­guntou:
– Alguma novidade?
– Tem sim. O neném mexeu! Olha, deu cada chute...!
– Pois é bom ir se acostumando, que daqui pra frente vai ser assim mesmo...
– Ah, e tem mais uma. Aquela criatura peçonhenta veio aqui de novo me encher a paciência. Só que, desta vez, eu dei tipo assim um chega-pra-lá nela que você preci­sava ver...! Se ela tivesse pernas, colocava aquele rabo horroroso no meio.
– Incrível, né! Ela não desiste... Sei lá...!
– Ai, amor... Vamos nos mudar logo daqui. Não suporto mais isso.
– Na-na-ni-na-não! Quem vai ter que se mudar é ela! Pode deixar, que hoje mesmo eu vou trocar uma idéia com o Cri­ador.
– Hmmmm... Promete?
– Prometo...! E agora, que tal a gente almoçar? Tô com uma fome de leão...!
– Nada disso, meu porquinho. Primeiro você vai é tomar tipo assim um banho! Eca! Tá fedendo que nem um gambá...!
Foram os dois. E desta vez, teve banho de cachoeira e de rio... Pra relaxar, brinca­ram de jogar água um no outro e, só depois, almoçaram. A sesta durou bem umas duas horas e, a seguir, foram namorar...
Algum tempo depois, estava nova­mente a varoa sozinha cuidando da casa. O varão tinha saído, como sempre, dizendo que ia colher frutas e cuidar do jardim. Nesse dia, porém, demorou-se mais do que de costume, o que acabou complicando as coisas para a varoa. É que a serpente, em nova investida, lançou mão de mais uma de suas artimanhas:
– Veja bem, lindona. Se a ordem de não tocar nesse raio desse fruto foi dada para o varão, então que que você tem a ver com isso?
Por essa ela não esperava! Acabou ce­dendo:
– É... Tem sentido... Acho que não vai fazer mal algum.
Foi aí que ela olhou com mais inte­resse para o fruto da árvore, e cresceu-lhe por dentro um desejo incontrolável de pro­var.
Provou. A princípio, achou que ali mesmo cairia dura, esticaria as canelas, mas nada! Continuou vivinha da silva! Só que, a partir de então, afloraram-se os seus medos, e uma estranha sensação invadiu-lhe o inte­rior, ao mesmo tempo em que sentia-se num mato sem cachorro, com aqueles horríveis calafrios por todo o corpo e uma vergonha horrível de estar completamente nua. Não sabia explicar o que estava acontecendo. Soluçou.
– E agora, quem poderá me defender...?
E como não surgiu do nada o Chapolin Colorado, dizendo “Eu!” – a serpente apro­veitou a deixa.
– Fica fria, varoa. Afinal, veja bem, você não mor-reu, né?!
– Sei lá... Acho que botei tudo a per­der...
É... o caldo estava mesmo derramado. Mas a varoa descobriu que era capaz de dissimular toda a sua insegurança. Isso ficou claro para ela quando o varão chegou...
– Oi, amor, cheguei... – gritou, como sempre, lá da entrada.
Uma gazela que passeava por ali achou melhor alertá-lo:
– É melhor se preparar, varão. A varoa tá uma arara!
– Valeu, gazela. Deixa comigo. – Dirigiu-se à esposa. – O que houve, mulher? Cê tá estranha...! – perguntou, intrigado.
– É só isso que tem pra me dizer, senhor Varão? Isso é hora de chegar em casa? Hein? O que estava fazendo até agora, hein? Procurando Nemo?... Como é, não vai dizer nada não? O gato comeu sua língua?
Só quando ela fez um intervalo naquela verborréia desenfreada, ele falou...
– Calma, filha...! Por que esse nervosismo todo...?
– Calma o escambau! E eu não sou sua filha não, tá? Cê sabe que horas são?
– Sei lá... dez pra daqui a pouco...
– Esse cara é palhaaaaço...! – disse a gazela, rindo.
Só que a varoa não achou um pingo de graça.
– Muito engraçadinho... Está é na hora da onça beber água, isso sim!... E tá me olhando desse jeito por quê! Por acaso eu estou tipo assim de verde?
–Pior que tá mermo. Por que não tá de topless? Que negócio é esse de cobrir o busto e abaixo da cintura com folhas de figueira? Tá maluca?
– Tô é farta de andar pelada. Tomei vergonha. Acho, aliás, que você devia fazer o mesmo. – Deu uma voltinha... – O que achou do modelito?
– Ah, sei lá...! Horrível! Prefiro como era antes...
A gazela resolveu comprar o barulho da varoa:
– Liga pra esse despeitado não, lindona. Você está chiquer-rer-rer-rérrima!!!
Sem dar importância à gazela enxerida, o varão retomou a palavra:
– Sabe... Agora que reparei uma coisa... Que é isso que cê tá comendo?
Ela respondeu dando mais uma mordida no tal fruto, e com a boca cheia:
– Icho aqui? Oga, é o tal frutcho proibídio...! Uma delíchia...! Desce redondo e refresca tipo assim até pensamento.
Aí foi que o barraco desabou. A festa ficou do jeito que o diabo gosta, e o varão, doidinho:
– Suspeitei desde o princípio! E quem foi que deu autorização, hein? Hein?
A serpente, até então calada, se meteu na conversa:
– Fica frio, mano véio. Veja bem... Fui eu que dei uma idéia e... – Não conseguiu completar.

– Pois agora, sua víbora, cê vai ver com quantos paus se faz uma canoa...
O varão só não converteu a criatura em purê de cobra, porque foi seguro por um baita dum gorila muito do feio que trouxe com ele a turma do deixa-disso. Enquanto o varão se debatia dizendo “Me larga, seu comedor de bananas!” o restante da bicharada encarregava-se de envenenar a fofoca, querendo ver o circo pegar fogo. Alguns estavam até cantando:
– Poeira... Poeira... Poeira... Levantou poeira...
– Que que tá pegando?
– Por que esse furdunço todo?
– Foi a varoa que deu piti...
– Fala sério! Quer dizer que, finalmente, eles quebraram o pau?
– Com certeza! Tá maior barraco!
– Ih! Que mico!
– O varão deu na cara dela...?
– É ruim, hein! Esse mané não faz mal a um mosquito...!
– Quero nem saber. Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher...!
– Parece que ele pegou ela com a boca na botija...
– Ouvi dizer que vão se divorciar...
– CHEEEEEGA! – Gritou a varoa, a fim de pôr ordem no recinto.
E tudo se acalmou, como ela queria.
– Aê, negão, dá pra me soltar? – pediu o varão, mais calmo.
– Tudo bem, eu solto. Mas vou ficar de olho em você. Acho bom não facilitar.
Prometeu se comportar e dirigiu-se à esposa:
– Poxa, amor! Sei lá... Como você faz um negócio desses? Pedi trocentas vezes pra não ficar de trololó com essa minhocona doida nem aceitar idéia dela...
Sem ter como se justificar, a varoa ironizava, cantando:
– Tô nem aí... Tô nem aí...!
– Pronto! Agora, já era mermo...! – disse o varão.
A serpente, mudando de tática, resolveu atacar de novo:
– Acho que não, chefia. Veja bem: primeiro que, pelo que eu sei, a ordem de não comer do raio do fruto foi dada só pra você...
– É... Em parte... Mas... Sei lá... – A serpente o interrompeu:
– Peraí, que eu ainda não acabei. – Fez uma breve pausa e prosseguiu: – Poxa, companheiro, a varoa tá inocente na parada. E, além disso, veja bem, ela não morreu, como o Criador tinha dito...
– Mesmo assim, sei lá, continuo achando errado contrariar uma ordem dele...
– Mas é muito cara de pau! Então você acha certo deixar a patroa sozinha nessa canoa furada? Cadê a tal de solidariedade? Que espécie de marido é você? Ah, já vi tudo! Fica aí dando uma de bom moço, vestido em pele de cordeiro, mas é maior joão-sem-braço, um tremendo amigo da onça...!
– Peraí, também não é assim não... Sei lá! – Disse, meio desconcertado.
- Então, veja bem, o que que tá faltando, então pra você experimentar do fruto? – perguntou a serpente.
– Isso mesmo, bem! – disse a varoa.– Experimenta!
Não faltava mais nada. A um sinal da serpente, toda a bicharada fez um coro:
– EXPERIMEN-TA! EXPERIMEN-TA! EXPERIMEN-TA!...
– Tá bom, tá bom! – disse, interrompendo a galera. – eu experimento.
Pegou da mão da varoa o fruto e “tchack!”, mordeu. Pronto, degringolou geral! Sentiu, pela primeira vez, vergonha de estar peladaço, fez aquela pose de jogador de futebol na barreira, vestiu a tanga de folhas e caiu num pranto desesperado. Só que já não adiantava chorar pelo leite derramado. Em outras palavras, deu zebra.
A bicharada dispersou. A cobra já estava fumando, a onça foi beber água, a vaca foi pro brejo, e o burro, coitado, morreu pensando. O Criador chegou e passou maior descompostura nos três, isto é, no varão, na varoa e na serpente, que foi condenada a comer pó durante todos os dias de sua existência. Quanto ao casal, teve que vazar do Paraíso...

Silas

Decocional        30/04/2O23

terça-feira, 11 de abril de 2023

Só acredito vendo!

Decocional 12 abr 2023        

       Este texto era pra ser só sobre a incredulidade de Tomé, o Dídimo, o cético. Mas acabou sendo também sobre Simão, o nervosão, cortador de orelhas...
        Muito já se comentou sobre o ceticismo de Tomé. E muita gente já se indignou com o fato de ele ter duvidado que Jesus tinha ressuscitado...
...
       Somos assim. Você não? Eu sim. Cansei de reprovar os outros. Muito já fui também criticado e reprovado por andar na contramão, por fazer o que a maioria não faz, por pensar diferente. E muito já me indignei com isso... Com e sem motivo.
Simão saiu do barco e, em dado momento, percebendo que tava andando sobre as águas, começou a submergir, e se não fosse o Mestre lhe dar a mão, já sabe, né? Ah, tá, ele também negou Jesus três vezes...
        “Que vergonha, que falta de consideração...!” Cê já falou ou pensou isso? Talvez sim, talvez não. Eu não. De Simão não. Mas de pessoas mais comuns que nem eu... No fim dá no mesmo... Reprovar alguém pelas falhas sem considerar os acertos...
Tomé não tava no esconderijo com os demais, quando Jesus apareceu... Cê já pensou que os outros só creram porque viram antes? Eu já... Aliás, apesar de terem visto, eles tavam meio assim, sei lá, cabreiros, confundindo Jesus com o Gasparzinho. Tanto é que Jesus precisou comer algo pra eles terem certeza... Aí Tomé chegou e, antes de ver, falou que só acreditaria vendo... Jesus, então, mandou ele se aproximar e tocar nas feridas... E ele, que nem os demais, ainda teve um momento de vacilação. Tava vendo, mas não tava crendo. Só depois que tocou no Mestre, creu. E confessou:
- Senhor meu e Deus meu...
        Voltando um pouco no tempo, encontramos Tomé demonstrando a coragem que os outros não tinham. Quando Jesus estava pra ir a Betânia ressuscitar Lázaro...
- Vai não, Mestre. Vão te matar... Tá doido?
- Eu sei, mas vou assim mesmo...
Aí Tomé diz:
- Bora lá nós também. Pra morrer com ele...
        Vamos combinar. Isso não é pouca coisa...
        Voltando a Simão Pedro... Jesus disse a ele que, antes que o galo cantasse, ele iria negar o Mestre três vezes...
- É ruim, hein, Mestre! Eu não. Eu, Simão? Não vou negar não!
        Pra azar dele, tinha um vizinho ali perto que criava galinha... E tinha galo. Um daqueles que funcionam como um despertador. O bichinho subiu em algum lugar alto, tipo um poleiro, um muro ou um telhado, estufou o peito e caprichou num cocorocó bem afinado. E não satisfeito repetiu. E repetiu de novo... Devia estar instruído. Deve ter até ensaiado...
        Curioso é que tem sempre aquela tendência de a gente esquecer tudo que veio antes e focar só nos tropeços da pessoa. Foi assim com Simão, foi assim com Tomé... É assim com você? Não? Comigo é... Tô cansado de ver... “Meu passado me condena”... Mas Jesus me absolve...