domingo, 23 de outubro de 2011


A
mão que toca um violão, um piano ou qualquer outro instrumento, se preciso for, pega numa arma, puxa o gatilho, desfere golpes ou faz qualquer outro movimento. Se não for preciso, contenta-se em se deliciar com as notas musicais.
A mão que escreve poesia, conto, crônica, romance ou qualquer outro texto, se for preciso se põe a fazer qualquer outra coisa que não envolva palavras. Mas não sendo necessário, continua entregue ao seu prazer de buscar um jeito diferente de inventar ou reinventar histórias.
A voz que canta um canto qualquer, se necessário, rompe em brados de guerra a favor da paz. Mas se não for preciso, prossegue entoando canções antigas e novas, enquanto busca chegar, pelos ouvidos, aos corações e mentes de quem gosta de música.
Os olhos de quem olha céu de noite, se preciso for, se fecham e olham para o interior do poeta. Se não for preciso, continuam conversando com o silêncio da noite e as estrelas até se deixarem vencer pelo sono ou pelos sonhos do poeta... 

Este silêncio

Este silêncio que hoje me tomou pela mão
e me levou para dentro do quarto
é, na verdade, um velho amigo...
Este silêncio me faz companhia
nas horas em que me bate e me abate o cansaço do dia,
o cansaço da semana e tantos outros cansaços
de tantas outras coisas, fatos, palavras, atitudes e até pessoas.
Este silêncio me visita à noite, de madrugada, pela manhã,
qualquer hora de qualquer dia, em qualquer lugar.
Este silêncio, às vezes, me traz respostas e até novas perguntas,
sana algumas dúvidas e traz outras.
Mas também me renova o repertório
de versos, poemas, sonhos, histórias e imagens novas e antigas.
Este silêncio me encontra e, às vezes, é por mim encontrado,
quando me abate o cansaço,
quando me dói a saudade e
quando sinto vontade
de inventar seja o que for... e prosa ou verso...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Como salvar seu casamento





Então é isso...
Hoje, mais uma vez eu salvei o meu casamento. Recolhi e levei o lixo. Relaxa, é brincadeira...
É que nós vimos, semanas atrás, no seriado "Rause", a mulher (na verdade, namorada, mas daquela que mora junto, tipo os dois são adultos... tá entendendo?) dizendo que um dos motivos pelos quais acabou a relação foi porque ele não levava o lixo. Teve também a história de ele usar a escova de dentes dela, mas isso não foi considerado grave, e sim o lixo..
Mas então é isso. Lixo não é só aquilo que eu taco na lixeira da pia, da cozinha ou do banheiro. Também é lixo um monte de idéia errada, um monte de preconceito idiota (e qual não é?), perda de tempo, discussão fútil, joguinho bobo, ceninha ridícula de ciúme (sentir ciúmes é normal, mas fazer tempestade num copo d'água por causa disso é, como dizem as mulheres, o ó) e uma coisa chamada etc ("eticétera"). Sabe etc? Quando você não sabe mais o que dizer, mas tem mais coisa pra dizer... e nesse caso é coisa que também é lixo mas eu não sei o nome.
Então é isso. O lance é, quando você for levar o lixo, leve o lixo todo, o visível e o invisível. Claro que o seu casamento não vai acabar porque você deixou de levar o lixo feito de resto de comida, cascas e/ou bagaço de frutas, papel velho, coisas quebradas e mais um monte de tralha. Não adianta você se livrar desse lixo e deixar toda sorte de sujeira conceitual, intelectual, emocional e não-sei-mais-o-que-lal no seu relacionamento...
Pronto, falei!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Ser homem


Sou homem sim, mas não vou muito longe. Falta-me coragem, astúcia, ousadia.
Coragem, não tenho para lançar no meu corpo mais veneno.
Astúcia, não tenho para driblar a vida e enganar mais gente.
Ousadia, não tenho para renunciar a tudo em que tenho acreditado.

Sou homem sim, mas até certo ponto, até o limite, nunca além dos passos.
Mais homem seria se fumasse maconha, cheirasse cocaína e bebesse até cair.
Mais homem seria se mais mentisse, muito mais iludisse e mais ainda fingisse.
Mais homem seria se assaltasse bancos, atirasse para matar e nada sentisse.

Sou homem sim, mas é só um conceito, só no aspecto físico, apenas aparência.
Um homem de verdade é mais violento, mais mentiroso, mais louco por dentro.
Um homem de verdade não faz o que eu faço, não fala o que eu falo nem se deixa enganar.
Um homem de verdade teria coragem de experimentar o outro lado da moeda...

domingo, 16 de outubro de 2011

Fragmentos


Saudade é uma dor
preenchendo um espaço vazio
deixado por uma ausência.

Não arde em ciúmes o amor verdadeiro,
mas sente do desprezo a dor ardida o peito do amante traído.

A distância não vai secar nem fazer cessar o pranto.
Só o tempo, quando outra paixão vier,
vai apagar o ressentimento.

Quase sempre o produto final é o rascunho lapidado. Passado algum tempo descobre-se, algumas vezes, que se podem polir as arestas. Rascunhos em lixo convertidos não são apreçados por artistas nem pelos que suas obras admiram. Rascunhos são valorizados pelos que a alma do artista estudam, em nome da arte... ou da verdade.

Brotam de lábios mentirosos palavras verdadeiras, quando somente refletem de quem as profere a pura expressão da perversidade.

É fácil suportar a tristeza de ter sido rejeitado. Difícil é viver com a certeza de ter sido ludibriado.

Um sorriso negado por um rosto franzido não significa egoísmo, crueldade ou antipatia. Pode ser um simples reflexo do sofrimento que habita o interior do ser traído.

As palavras, muitas vezes, embora nem sempre compondo um fiel retrato da realidade, trazem lampejos de verdade e da possibilidade de mudar a vida.
São algumas palavras gestos que não se tem coragem de fazer, assim como são alguns gestos palavras que não conseguem ser pronunciadas.

Algumas mentiras são verdades criadas pela falta de coragem de enfrentar a realidade. Algumas verdades são mentiras que a realidade inventou.

A quietude nem sempre significa falta de palavras. Às vezes, simplesmente não se conseguem ordenar, ma continuam presentes no pensamento à espera de uma chance e rasgar o silêncio.

Se não puder vencer o inimigo,
aliança com ele não faça,
para não cair em desgraça
ou sofrer pior castigo...

Não quero falar contra a esperança,
mas nem sempre quem espera alcança.
Às vezes se cansa e se desespera
quem na lembrança tem só quimeras.

Quem com ferro fere seja punido,
e quando estiver arrependido, seja,
depois de punido, perdoado e esquecido.

O sabiá não sabia assobiar, não sabia cantar, nem falar sabia o sabiá.
O sabiá não queria saber assobiar, só queria viver e voar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O último Decottignies


Vi ontem no Facebook, numa foto postada por meu primo-sobrinho Rodrigo Decottignies, que meu tio Rui partiu para sua morada eterna, exatamente no dia das crianças.
Rui foi um tio que eu só vi uma vez, mas era como se o tivesse visto desde sempre. Era a cara Ronaldo, meu pai, que nos deixou em março de 2004.

Lembro como se fosse hoje o encontro dele com meu pai. Rua Sete de Setembro, Vitória, 1974:
- Comé que cê tá? Seu sacana!
- Eu tô bem! Seu sacana!
Era o único que eu ainda não conhecia. Aí perguntei, já meio que prevendo qual seria a resposta.
- Quem é esse?
- Esse é Rui! – Respondeu Ronaldo.
E cumprimentei. Não lembro se pedi a bênção... Acho que não, mas acho também que ele, mesmo assim, me abençoou.
Foi um encontro que durou poucos minutos, mas que ficou marcado pela expressividade do abraço e a felicidade demonstrada pelos dois que não se viam havia não sei quantos anos.

Tá bem, sei que é redundância falar isso, mas vou falar. Eram todos parecidos (Novidade! Eram irmãos...!), e os traços mais marcantes eram aquele olhar profundo... Digo profundo porque não sei explicar que olhar era aquele. Não eram olhos enormes, mas pareciam enormes tal era a força que tinham quando bem abertos, arregalados. E dois sulcos que descem das laterais do enorme nariz até os cantos da enorme boca, tornando muito visível essa parte do rosto cujo nome eu não sei, mas que compreende o espaço, nos homens, quase sempre ocupados pelos bigodes, que as mulheres não têm... ou não deveriam ter...
E por que falei duas vezes que o nariz é enorme (terceira com esta)? Porque, talvez, é o que mais nos identifica como Decottignies. Pode reparar. Na maioria das vezes, os Decottignies são ladrões de oxigênio. Mas se isso não bastar, talvez porque vamos continuar a caminhada deles Brasil afora, mundo afora, nos nossos filhos, netos, bisnetos e por aí vai, e nossos narizes vão sempre chegar na frente pra plantar nossas novas sementes.

Não conheci Henrique, meu avô, que morreu quando Ronaldo ainda era um pentelho de 12 anos. Mas conheci minha avó Constança e os meus tios Rubens, Roberto, Renato, Rosina (Zininha), Rute (Filhinha), Rosita (Lola) e Rosília (Caçula). E Rui, só em 1974, o último Decottignies da primeira geração, que agora foi se juntar a eles...
Descanse em paz, Tio Rui. Deus o tenha e nos console.