quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Doar sangue

Fiz minha primeira doação em fevereiro de 1974. 19 anos, 59 quilos. Magro que dava dó... Meu paletó listrado era de uma listra só... Doação obrigatória. Parte da bateria de exames médicos para a Polícia Militar. Porque eu tava desempregado, e entrar para a PM parecia uma boa opção.
Doei. Doeu. À beça.
Ao final, tive queda de pressão, e os enfermeiros se borraram de medo de eu morrer lá. Me cercaram de cuidados, me deram aqueles biscoitinhos "Selva de Pedra" e Ki-Suco.
Só voltei a doar em 1987, para o pai de uma grande amiga, no Hospital dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro. Pressão caiu de novo. Apaguei que nem uma vela. Só que dessa vez foi durante a doação. E não completei os 500 ml, parei nos 300.
Depois disso, passei a participar de campanhas de doação pra pessoas que iam ser operadas. Continuei morrendo de medo de agulha. Mas não parei. 
Teve uma vez que o fenôneno voltou a acontecer após a doação. No Hospital Cardoso Fontes, Jacarepaguá. O sem-noção levantou da cadeira e foi a 200 por hora para a copa do banco de sangue... Apaguei e... PÁH! Caí que nem uma jaca, bati com a cabeça na quina da porta. Me cataram do chão e me colocaram em uma maca...
Depois dessa, era pra desistir, concorda? Que nada! Desistir, vírgula! Peguei o macete. Era só me levantar em câmera lenta e imitar o Rubinho Barrichelo.
E agora vou te contar... Não, não muda de canal agora não... Só mais uma... Por favor! Valeu!
Eu tava morando em Vitória. Tinha que doar para o pai de uma colega do Ministério da Fazenda. Fui lá, né? No hospital. Mas a pressão já tava baixa. A beldade do banco de sangue me reprovou... Aí, sabe o que o doido fez? Trapaceou! Voltei no dia seguinte. E antes de chegar ao hospital, engoli um bocadinho de sal... ARRRGH! Horrível... Mas funcionou...
Tenho medo até hoje. 
Teve alguns anos que fiz três ou quatro doações. Voluntárias mesmo, nada de campanha. 
Tive que parar... Idade... Cheguei aos 60. É que nem nas escolinhas de futebol: não pode ter "gato"...
Mas não me peça pra explicar por que doei até não poder mais.
Nunca fui bonzinho e nunca achei que isso contava ponto pra ir pro céu. Sei que não conta.
Mas então, por quê? Sei não... Devo ser doido...
Sabemos que é um ato de amor, de bravura, de coragem, de fé...
Logo eu...! Nunca tive tanto amor asim pelas criaturas, nem bravura, nem coragem, nem essa fé toda...
Pois é... Fé... Um bocadinho assim, talvez...
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Decottignies